segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Nossas melhores mulheres (Paulo Bentancur)

O livro das mulheres, org. de Charles Kiefer – Editora Mercado Aberto, 120 p. Jornal Porto & Vírgula, Edição da Feira, Ano VI, n. 5, 03 de novembro de 1999, p. 3, Porto Alegre.

Um homem resolveu dar uma espiada no que as mulheres andam fazendo. Esse homem é Charles Kiefer, e como ele é escritor, as mulheres escolhidas são escritoras também. Conclusão: o objeto do desejo, no caso, são os textos dessas mulheres.

Há ou não motivos para excitação?

Essa resposta quem pode ter é o leitor que engrossa a fila de autógrafos do Livro das mulheres, hoje, às 17h, fila certamente concorrida. Treze foram as escolhidas, desde nomes pouco conhecidos (Sandra Fasolo, Consuelo Bassanesi) até estrelas conhecidas da nossa literatura recente (Martha Medeiros, Valeska de Assis, Cíntia Moscovich). Na apresentação, Kiefer, o organizador, assinala: “ouso afirmar que vivemos a era de ouro da contística gaúcha”. Com semelhante aposta, o escritor procurou selecionar um material exemplar daquelas que considera exemplares. Pronto. É só ficar no aguardo do veredicto do tempo.

Os demais nomes que formam o time feminino são: Adriana Lunardi, Lélia Almeida, Letícia Wierzchowski (que tem publicado bastante), Lísia Pessin Adam, Maria Helena Weber, Paula Taitelbaum, Vera Ione Molina e Vera Karam. À pergunta que talvez nos façamos diante da ausência das veteranas e consagradas como Lya Luft, Patrícia Bins e Tânia Faillace, ou mesmo de um nome já firmado como Jane Tutikian, a resposta, que o livro não dá, certamente está oculta: coletâneas assim estão em busca do novo, o próprio Kiefer observa “não me propus, ao reunir a seleção de autoras que constam desta antologia, extrair de seu trabalho uma poética do conto. Até porque o processo de criação literária riograndense está em pleno desabrochar”. Não é o caso, claro, de Lya, Patrícia, Tânia ou Jane, sob diversos aspectos com obra já realizada (embora, felizmente, sempre realizando e, portanto, por realizar).

Assim, as jovens selecionadas pelo organizador representam o futuro começando a acontecer agora – exatamente as possibilidades de nossa literatura nas mãos das mulheres. Essas possibilidades, a julgar pelos contos de Adriana Lunardi, Cíntia Moscovich, Lísia Pessin Adam e Valesca de Assis – a meu juízo os
quatro grandes momentos do conjunto -, são enormes. Pelo menos quanto a estas, a aposta de Kiefer já deu certo.

A feira das mulheres (Eduardo Nasi)

O livro das mulheres, org. de Charles Kiefer – Editora Mercado Aberto, 120 p. Revista Aplauso, Ano 2, nº 15, 1999, p.36-7, Porto Alegre.

Terra de homens bravos e pelejadores, montados em cavalos com facas nas botas? Nada disso. A feira do livro mostrou que os grandes estereótipos que cercam a literatura do Rio Grande do Sul podem estar por um triz. Tudo porque, depois de Lya Luft, Patrícia Bins e Lilá Ripoll, um grupo de mulheres está pronto
para segurar as rédeas das Letras do Estado.

O catalisador dessa mudança é O Livro das Mulheres (Mercado Aberto), organizado pelo também escritor Charles Kiefer, que reúne contos dos principais nomes da nova literatura feminina gaúcha. Há uns dois anos, quando Kiefer botou na cabeça que ia organizar o livro, a movimentação ainda era sutil. Cíntia Moscovich fazia um certo sucesso com O Reino das cebolas, seu livro de estréia. Martha Medeiros ainda estava restrita às páginas do caderno Donna, do jornal Zero Hora, além do bom resultado dos livros de poemas. E Vera Karam se aproximava meio de soslaio, firmando-se como dramaturga com a peça Dona Otília Lamenta muito.

Repare-se em Martha Medeiros, por exemplo. A poeta e cronista estréia no conto em O Livro das Mulheres. Se dá bem, mas não é uma surpresa. Crônicas como "Mulher de um Homem Só", do supersucesso que é a antologia Trem Bala (L&PM), já eram contos. Ou seja: os contos de Martha já circulavam pelos jornais há um tempo, sem que ninguém percebesse. Aliás, as crônicas da autora estão marcando um estilo firme e gracioso. Até pouco tempo atrás, escrever era um hobby para Martha Medeiros. Hoje, está mostrando que será uma das maiores cronistas deste país. Letícia Wierzchowski é outro fenômeno, pelo menos no que se refere à qualidade de livros. Do ano passado para cá, lançou três livros individuais (O Anjo e o resto de nós, O Anuário dos amores e Prata do tempo), participou de duas antologias de contos (Contos de Oficina 20 e O Livro das Mulheres) e publicou os e-mails que trocou com o marido Marcelo pires (eu@teamo.com.br). Prata do Tempo (L&PM) é o mais recente romance da moça. Conta uma daquelas sagas de uma família inteira, que começa com o avô do personagem central e acaba com o sujeito e os netos no colo. Como, alias, já acontecia com O Anjo e o resto de nós. Apesar de muitas diferenças gritantes com O Anjo, é inevitável comparar. E o leitor que desconhece os contos de Letícia pode ser levado a pensar que se trata de autora de uma história só. Vai perder uma boa autora, tudo por causa de uma fórmula que não precisava ser repetida tão cedo.Também com livro recém-publicado pela L&PM, a poeta Paula Taitelbaum também estréia no conto com a antologia de Kiefer. Com Sem vergonha, prossegue a carreira de poeta, iniciada ainda no ano passado com o ótimo Eu versos Eu. No novo livro, Paula está ainda mais segura no que faz. A base da poesia de Paula é o jogo de palavras, um jeito fácil de cair num vazio sem significado algum. Porém, Paula sabe brincar com o som das palavras sem esquecer de que há algo a ser dito. Os poemas não são vazios nem chatos. Só uma coisa: o conto deixou um gosto de quero mais, e agora Paula Taitelbaum está devendo um livro de prosa aos seus leitores.

Os pontos em comum entre todas essas mulheres é o cenário urbano e a narrativa com um pé no intimismo. Pode-se especular diversos motivos para isso. Qualquer hipótese será, no máximo, um problema acadêmico, e qualquer resposta poderá ser contestada pelas autoras.

Veja-se os trabalhos de Cíntia Moscovich, Valesca de Assis e Adriana Lunardi.

Nenhuma delas teve livro próprio lançado este ano, o que é uma pena. As três sabem combinar enredo e linguagem de uma forma excepcional. E outra peculiaridade: nos contos do trio, o leitor vai encontrar um desfecho muito bem pensado, que foge do lugar comum. Mais um destaque dessa feira e que está em
O Livro das Mulheres é Lélia Almeida, que também lançou Querido Arthur (WS Editor), uma narrativa epistolar escrita entre Santa Cruz do Sul – onde a escritora é professora – e a província argentina de Mendonza.Lélia, que conhece como poucos a literatura feminina contemporânea da América Latina, mostra que sabe sair da teoria e usar na prática da escrita todo o conteúdo de seu trabalho na universidade.

Vera Karam, que começou a escrever textos para o teatro e, no ano passado, consagrou-se tradutora do inglês premiada com um troféu Açoriano, estréia na prosa com bons textos. E também lança u livro de contos só dela: Há um Incêndio sob a Chuva Rala (Mercado Aberto). Algumas esquetes de Vera escritas tempos atrás (e publicadas no livro Dona Otília lamenta muito) já mostravam um bom domínio do texto ficcional, o que os novos textos confirmam.

Para encerrar a seleção de O livro das Mulheres, resta lembrar Lízia Pessin Adam e Vera Ione Molina, e as estreantes Consuelo Bassanesi e Sandra Fasolo. As quatro, porém, não encerram a lista das mulheres da Feira do livro. O desfecho fica por conta da novela Endiabrada, de Dorothy Camargo Gallo (WS Editor), dos contos Restos do Dia, de Maria Moura (IEL), e de três livros de poemas: Criaturas Minhas de Célia Maria Maciel (WS Editor), Teceres, de Cássia Pinto (IEL), e Morder a Polpa, de Berenice Sica Lamas (Movimento). Sinal de que, se Kiefer quiser, dá para publicar um outro Livro das Mulheres. Porque boas escritoras para recheá-lo o Rio Grande do Sul já mostrou que tem de sobra.