sábado, 4 de fevereiro de 2012

Caminhando na chuva (Romar Rudolfo Beling)

* Caminhando na chuva, de Charles Kiefer. São Paulo: Editora Leya, 2012, 148 p.

É digno de toda consideração que essa pequena novela (pequena na extensão, fique absolutamente claro) chamada Caminhando na chuva assinale a estreia do gaúcho Charles Kiefer no mercado editorial. O feito ocorreu em 1982, e portanto essa obra fecha 30 anos – teremos aí uma obra balzaquiana! – em 2012.

Quem uma vez lê Caminhando na chuva – e é tarefa para algumas horas, porque o ritmo do texto prende, o enredo em si é convidativo demais, e o narrador nos cativa desde as primeiras palavras – jamais esquecerá essa singela narrativa. Por aí se veria, com a simplicidade e com a mão certeira de um escritor talhado para grandes voos, onde Kiefer (abaixo) pararia. Com alguns bons prêmios nas mãos, pra começo de conversa, visto que já detém nada menos que três Jabutis.

Trata-se, essa novela, de um típico relato de formação, mas concentrado num momento específico de uma vida. E lida com um momento crucial, tanto quando se considera a condição humana em si, como um todo (a história aborda a adolescência; lida com a constatação, com seus desconfortos e com seus deslumbres, da chegada à vida adulta) quanto quando se reserva um olhar retroativo, de pessoa madura, sobre os pequenos segredos individuais que tornam cada um quem veio a ser.

O narrador recupera, de imediato, as suas origens humildes, os esforços que precisou fazer para superar adversidades e lógicas e, em uma cidadezinha pequena, dar seguimento aos estudos. A grande maioria, como sempre acontece, na corrida natural ao longo da vida, para no meio do caminho: uns vão cuidar de sonhos pontuais, outros se enganam com as miragens no imenso deserto cotidiano, outros se arremessam no primeiro namoro e por aí fincam pé; outros não se sentem habilitados ao pendor dos estudos ou das ideias, outros ainda não tiveram ou (esses também em grande número) não souberam aproveitar, desperdiçaram sem direito a desculpa as chances que a vida brindava para verem de mais alto, para olharem mais longe, para olharem com mais nitidez.

O narrador de Caminhando na chuva nos fala de sua infância, de sua história, de suas dúvidas, se confronta com os sentimentos que começam a doer mais (o amor, alguma saudade, alguma frustração, alguma vergonha, alguma incerteza), vê o futuro se avizinhar. Está no segundo grau, sabe que precisa começar a por mãos à obra e fazer a vida render, e, entre o amor e entre tentar a sorte em seguir aos estudos, terá que tomar a decisão.

E ele, todas as grandes decisões toma de um jeito. Sai a caminhar nos dias em que a grande maioria justamente se ausenta das ruas: quando chuvisca, quando a neblina cobre a paisagem e toma tudo com um manto, um véu, de carícia, de promessa. Mas quando a paisagem externa está menos transparente, parece que é quando ele enxerga melhor, com mais transparência, dentro de si. Quando enfim pode estar sozinho (isso não lhes lembra a condição do leitor?), quando pode prestar atenção em seus próprios passos, quando a rua realmente se abre para ver onde está a passagem mais confiável, mesmo sob a chuva, é ali que ele formata seu caminho, aquele que o levará mais longe, mais para perto de si mesmo. Seja de dia ou seja à noite, caminhando, caminhando, caminhando, caminhando e pensando, ele enfim se encontra. E de repente a gente se encontra também.
Graças ao Charles Kiefer.
Para ler dezenas de vezes. Dezenas.