segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Rodopios e pausas da paixão

(Resenha de Geraldo Galvão Ferraz)

Valsa para Bruno Stein, de Charles Kiefer — Ed. Mercado Aberto, 176p. Cz$ 55,00. Da série Novo Romance. Revista Leia, julho de 1986, São Paulo, SP.

Demorou, mas afinal Charles Kiefer se animou a passar das pequenas novelas para o romance, uma decisão que O Pêndulo do Relógio (1984) já implorava dele, trazendo linhas narrativas que sufocavam nos estreitos limites das magras páginas da excelente obra do escritor gaúcho.

Em Valsa para Bruno Stein, Kiefer confirma tudo que prometiam textos anteriores como Caminhando na Chuva (1982) e O Pêndulo. No formato maior, ele se mostra igualmente seguro no domínio da ação e do diálogo, hábil na fixação do instante significativo ou do detalhe essencial, além de dono de um talento inegável para contar gostosamente uma história.

História que no caso é a de Bruno Stein, septuagenário dono de uma olaria na região noroeste do Rio Grande do Sul, onde a monocultura da soja e as rápidas mudanças sociais dela resultantes são um tema em que o autor deita e rola. Charles Kiefer chegou, inclusive, a criar ali uma cidade — Pau d'Arco — para ser o palco iluminado onde desfilam seus personagens. Mas voltando a Bruno, sua trajetória é a linha mestra do romance, da caracterização dos seus prazeres na vida (o fumo, a leitura do "Fausto" goethiano e da Bíblia, a música e a paixão de modelar o barro) até o encontro final de um aparentemente inesperado prazer, o sexo crepuscular e incestuoso com a nora Valéria, clímax de uma atração desesperada e inescapável tipo paixão de tragédia clássica.

No pequeno mundo da olaria de Bruno, paixões não faltam. Nem conflitos, como o do chefe da casa, dividido entre a rigidez luterana e a tentação do pecado, cujo emissário mais evidente, para ele, é a televisão, símbolo do novo e do diabólico (praticamente a mesma coisa para o universo congelado no tempo de Bruno). As mulheres da casa vivem hipnotizadas pela medusa eletrônica e as vidas fictícias das novelas; a nora mal casada sonha com um amor que a redima da mediocridade a que é condenada pelo marido.

Verônica, neta de Bruno, opta por largar o namorado (que lhe prometia sorte igual) e rompe as fronteiras da olaria, indo estudar em Porto Alegre. Presos ali pela necessidade, os empregados da olaria, Gabriel, Mário e Erandi são coadjuvantes do fundamental que é a luta que se trava dentro do Bruno Stein, ante a possibilidade dele moldar seu destino de modo diverso ao estabelecido, numa chance que a idade já não lhe permitia esperar.

Charles Kiefer, sádico criador, imiscui outras vidas, outros problemas, outras sortes, retardando e esmiuçando nuanças da guerra pela alma de Bruno Stein, ao balanço dos rodopios e pausas da paixão em ritmo de valsa da sua narrativa. O leitor, parceiro arrebatado, só tem que se deixar levar (tropeçando, contudo, nos muitos erros de português do romance que parece — e não merece — ter sido editado sem revisão), esperando agora que Charles Kiefer persista na sua decisão de optar pelo gênero literário que lhe dá maiores condições de voar ato.

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