domingo, 18 de outubro de 2009

Acidentes de percurso (André do Carmo Seffrin)

A face do abismo, de Charles Kiefer – Editora Mercado Aberto, 156p. Jornal Rio Zona Sul, fevereiro de 1989. Rio de Janeiro.

Depois de um excelente andamento – por muitas vezes usando com propriedade soluções cinematográficas num contraponto muito bem montado – o recente romance de Charles Kiefer – A Face do Abismo – perde acentuadamente a força nas últimas páginas. O autor soluciona o desfecho com um longo monólogo de um dos personagens-chave (Gumercindo Rosas), onde não se encontra mais que a repetição de tudo o que havíamos acompanhado até ali.

Mas temos muito a favor deste escritor. Em A Face do Abismo ele abandona temporariamente (?) Pau d’Arco para contar a história de fundação e desaparecimento de San Martin. Mais do que um romance que nos dá prazer em ler e reler, A Face do Abismo é o salto de percurso já esperado após Valsa Para Bruno Stein. Há um inegável domínio verbal e episódico no autor, um poder absoluto sobre os personagens e uma nítida capacidade de nos fazer sentir em feliz convívio com qualquer um deles. Amamos não só as mulheres cuja vida heróica sucumbindo ao peso de seus homens nos punge e castiga, mas também a estes homens impiedosos, ignorantes e bestiais. A história da fundação da cidade pelo bugreiro José Tarquino Rosas e o curso interessante desse rio histórico no tempo, nos é passada em capítulos-relâmpagos, num contraponto até certo ponto anárquico mas caprichosamente bem urdido a partir da metade do livro. Não lhe escapam oportunidades de humor, no rastro dos melhores ficcionistas gaúchos, a exemplo de Erico Verissimo e Josué Guimarães, aos quais Charles Kiefer hoje se filia. O romancista, estou certo, ultrapassará tranqüilamente qualquer entrave, porque tem talento, sem dúvida, para a realização de uma obra significativa no Brasil contemporâneo.

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