domingo, 18 de outubro de 2009

Aos ventos da modernização (Sônia Salomão Khéde)

Valsa para Bruno Stein, de Charles Kiefer – Editora Mercado Aberto, 175p. Jornal O Globo, 16 de novembro de 1986, Caderno II, Rio de Janeiro.

A partir do romance regionalista de 30 a temática do Nordeste conquistou a todos, não só pela necessária contundência da denúncia social, como pela forma com que as cidades metropolitanas absorveram a discussão de uma problemática também inerente a elas: a emigração e o conseqüente nascimento de outro Nordeste dentro do chamado Sul-maravilha, com todos os conflitos da descaracterização dos valores e do mimetismo cultural que gerações e gerações se viram forçadas a viver, na mais completa marginalidade.

Talvez esse fato explique o pouco conhecimento de autores do Extremo Sul do País, principalmente dos mais jovens, como Charles Kiefer, 28 anos, nascido em pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul.

A grande contribuição valorativa do autor para a prosa brasileira contemporânea esta não só na maturidade com que tece a estrutura narrativa de seu mais recente romance, mas principalmente no modo pioneiro como o faz. Tratando as relações interpessoais numa família de imigrantes alemães, Charles Kiefer aborda as dificuldades de posicionamento decorrentes do choque entre os rígidos códigos familiares centrados nos ensinamentos da Bíblia e a crescente destruição da estrutura econômica da pequena propriedade agrícola em que o chefe familiar podia exercer o seu mais avassalador domínio em nome da honra, do valor do trabalho e de uma virtude cada vez mais difícil de ser absorvida pelos mais novos. Com a falência da monocultura e a entrada dos mass-media nesses lares há como uma luta entre anjos e demônios, ou seja, entre a tradição e as mensagens modernosas veiculadas. Bruno Stein, personagem central do romance, é o patriarca atingido pelos ventos da modernização. Rico e complexo personagem, vê-se aos 70 anos no centro de uma roda de fogo. Uma paixão proibida, o medo da morte, a rebeldia das netas e as reminiscências da infância que explicam cada vez mais a inusitada faceta de sua personalidade: a de artista, modelador do barro.

Sem investir explicitamente num discurso apologético contra as forças desagregadoras do capitalismo, Kiefer encaminha questões relevantes, de dentro para fora, estabelecendo uma tensão entre a estrutura familiar e a econômico-social mais ampla, como constata Arnaldo Campos na orelha do livro. São elas: a razão da arte, a crise de valores, os conflitos étnicos e as perspectivas de libertação do controle invisível, mas eficiente legado pela tradição. Bruno Stein talvez seja o melhor exemplo da liberdade conquistada.

Livro que prende o leitor pelo ritmo da história, pela densidade dramática das cenas e pelo tom elegíaco de uma valsa para espantar fantasmas, Valsa para Bruno Stein coroa o trabalho já premiado de Charles Kiefer. Como a novela Caminhando na chuva e O pêndulo do relógio (Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro), apresentando-se como um desafio para o próprio autor que escolheu um caminho já trilhado pelos escritores "maiores". Há que continuá-lo.

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